Uma mãe mata uma criança de oito meses. A mãe, visivelmente sofrendo de distúrbios mentais, foi entrevistada hoje pela Globo, em Curitiba. A reportagem foi ao ar pela manhã, enquanto boa parte dos paranaenses tentava engolir o pão nosso de cada dia.
Os fatos e a notícia
Ontem, uma mulher arremessou uma criança pela janela do sexto andar de um prédio no centro de Curitiba. A criança era a filha da mulher e morreu. A mulher tem 41 anos e notoriamente passa por crise depressiva, estava em tratamento psiquiátrico, inclusive usava medicamentos. Havia informações suficientes de vizinhos e conhecidos da mulher que atestavam o desequilíbrio dela.
Portanto, dentro dos critérios que se pode aprender em qualquer curso por correspondência de Jornalismo, os fatos citados devem ser guindados à categoria de notícia. Todavia, de que tamanho e com qual destaque?
Da natureza
Em alguns cursos de Jornalismo as seguintes cadeiras nunca constaram ou foram suprimidas da grade ou ainda têm seus programas apenas focados na superficialidade e teorias inúteis:
História
Antropologia
Direito
Psicologia
Psiquiatria
Por isso, a maioria dos jornalistas tem dificuldades em saber que, embora bárbaros, o infanticídio, o parricídio, o matricídio e suas combinações estão assinalados em praticamente todas as culturas.
Na mitologia, Medéia matou seus dois filhos por ciúme. Nos livros sagrados de várias religiões encontramos a imolação de crianças. Na China crianças do sexo feminino são descartadas. Em tribos africanas e de índios do Brasil ainda é comum o descarte de filhos indesejados.
Portanto, em pelo 4 mil anos de história registrada, constata-se que esses crimes (ou atos aceitos) estão relacionados a tradições culturais, religiosas, questões econômicas ou transtornos mentais.
Pela nossa legislação, pessoas que praticam tais crimes sob efeito destes transtornos têm suas penas atenuadas ou simplesmente são consideradas inimputáveis.
(Inimputável - É a pessoa que cometeu uma infração penal, porém, no momento do crime, era inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determina-se de acordo com esse entendimento. São considerados inimputáveis os doentes mentais ou a pessoa que possua desenvolvimento mental incompleto ou retardado, e os menores de dezoito anos.)
Do exagero e busca pelo sensacional
Logo, expor uma mulher com transtornos psíquicos numa entrevista pode revelar:
- apelo ao sensacionalismo; desejo de juntar esta história a uma outra de natureza bem diferente, o caso Isabela - que guardam em comum apenas a criança, o prédio, a janela, além da guerra pela audiência e exploração da ignorância;
- ou ainda desconhecimento, ou burrice mesmo.
De fato, a notícia existe e merece ser dada.
Porém, o que não pode existir é esta exploração gratuita da tragédia alheia em nome de pretenso jornalismo que vê novidade naquilo que acontece há milênios.
Ó arautos da objetividade e idiotice, lembrai-vos: somos seres guiados por uma máquina sensível chamada cérebro e esta máquina pode falhar, independentemente das cabeças que as guardam, inclusive as vossas!
(Ilustração: Medéia por Delacroix)
Clique aqui e veja se havia necessidade de mostrar a entrevista da mulher que cometeu o crime.
Nenhum comentário:
Postar um comentário