domingo, 28 de fevereiro de 2010

Em Curitiba, estudante tem que ter atestado de pobreza para estudar

Estamos em 2010 e ainda é necessário que o estudante apresente uma espécie de "atestado de pobreza" à Prefeitura para ter direito a meio passe escolar em Curitiba. Ou seja, o cara só vai de ônibus para a escola se provar que é miserável. A Prefeitura de Curitiba diz que assim evita "injustiças" e afasta os ricos de tal "benefício" restrito aos pobres!

Atestado de pobreza, senhores do século XXI!!!! Pensei que esta aberração havia sido suprimida dos nossos bárbaros costumes. Mas a turma do prefeito Beto Richa assim exige. Criam dificuldades para não conceder o que é um direito: acesso à educação.

Aqui, não basta ser pobre, há de se provar que é pobre.

Meados da década de 70, agricultura em crise, também precisei de tal atestado para ter direito a livros numa escola.
O esquema: mostravam-se os atestados na escola e ganhávamos os livros da Fename - Fundação Nacional do Material Escolar - ligada ao governo Federal. Os milicos acreditavam que a Fename iria dar um jeito na ignorância nacional.

A ditadura acabou, a Fename foi para o espaço e a ignorância nacional ganhou exuberância. Depois foi soprada pelos ventos do tempo e suave acomodou-se, doce e tranquilamente, na Prefeitura de Curitiba.

Consegui o atestado na Delegacia de Polícia de Cianorte. Fui até lá e conheci um escroque que atendia aos miseráveis - trabalhadores rurais desempregados - e às putas que tiravam suas licenças por meio de uma carteira de bailarina, tão vil quanto os atestados de pobreza.
O escroque cobrava uma taxa de todo mundo, conforme a cara do peão. Ele pegava o dinheiro rapidamente e fazia as notas sumirem no próprio bolso, sem cerimônia, sem vergonha.

Assim, ainda criança, tive o meu primeiro contato com os que faturam com a miséria alheia. Eh, turminha que cresce!

Paguei três cruzeiros para ter a merda do atestado que teoricamente seria de graça. Consegui o dinheiro vendendo garrafa vazia. (Só para comparar, a entrada do cinema custava um cruzeiro).

Ganhei uma borracha, régua de plástico, compasso, dois lápis pretos e uns livros. O de Literatura Portuguesa nunca usei em sala de aula, a professora simplesmente ignorou o livrão de capa dura e de conteúdo duvidoso, preferiu ditar os pontos.

Guardo este livro em casa até hoje. Certas coisas são inexplicáveis, mas a ditadura achou que Florbela Espanca poderia ser publicada e apresentada aos ignorantes brasileiros. Pelo menos dois poemas da poeta estão lá, talvez para provar que há poesia mesmo na pobreza atestada.

Um comentário:

Ayrton disse...

O escroque atendia os miseráveis e as putas. Na mesa, a placa: Puta Miséria.