domingo, 21 de novembro de 2010

Lula encontra-se com Lulinha, o presidente de 7 anos

POR CHRISTINA NASCIMENTO (Jornal O Dia)
Rio - 'Eu esperei 60 anos para ser chamado de presidente. E você, nesta idade, já é chamado assim?’. Num amplo salão de leitura do Copacabana Palace, sentado no colo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o garoto de 7 anos, que tem na certidão de nascimento o nome do operário que chegou ao cargo mais importante do País, faz cara de envergonhado, mas confirma: “Sou sim, presidente”. O momento não poderia ser mais especial para ambos. É o encontro de dois personagens de uma história brasileira, baseada em fatos reais e com final feliz.
Foto: Fernando Souza / Agência O Dia
Luiz Inácio Matias da Silva, o Lulinha, e sua família conheceram na sexta-feira o homem que não só inspirou seu nome, mas que, em oito de anos de governo, tirou, com programas como o Bolsa Família, 20,4 milhões de brasileiros da linha de miséria. Os dados são do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), mas a família de Lulinha, que recebe o Bolsa Família, nem precisa de estatísticas oficiais: Francisco Canindé da Silva, 36 anos, e Itônia Matias da Silva, 33, retirantes nordestinos, e seus cinco filhos sabem que estão entre esses brasileiros. Quando o casal veio do Rio Grande do Norte, há nove anos, com três filhos, não tinha o que comer. Hoje, eles conseguem pensar em futuro.
>>> GALERIA DE FOTOS: Lulinha, 8 anos depois

“Acho que esse é o grande legado que vai ficar no Brasil depois que eu deixar a Presidência: as pessoas vão perceber que elas podem. Não existe limite para o ser humano quando ele quer as coisas. E obviamente que um menino como esse, criado no Rio, com o pai e a mãe com uma condição certinha, vai ter muito mais condições do que eu tive, estudar muito mais do que eu estudei e chegar aonde cheguei. E só não pode ser mais (risos) porque não tem cargo mais importante que o do presidente”, disse Lula.

‘EU ERA MAIS FEIO DO QUE VOCÊ’
A chegada do presidente ao salão de leitura do hotel, onde a família o esperava, foi sem protocolos: “Oi, Lulinha, tudo bem?”, falou, identificando, de imediato, o garoto em meio aos seus quatro irmãos. A empatia entre os dois logo fez com que saíssem juntos da roda de apresentação e sentassem na mesma cadeira. Lulinha no colo do presidente.
Vídeo: Ricardo Stuckert / Presidência da República
“E aí, Lulinha? Deixa eu ver se você está com cara de que vai ser presidente da República. Eu era mais feio do que você quando era pequeno e virei presidente, hein!”. As palavras, em tom de brincadeira, eram mais que um recado para o menino do Morro Camarista Méier, no Engenho de Dentro. Era a própria trajetória que Lula contava abraçado ao pequeno xará. Assim como os pais do garoto, os do presidente também deixaram o Nordeste em busca de uma vida melhor na região Sudeste. “É verdade que você tinha 23 quilos a menos? Você está até mais bonita. Está diferente. Paulo Freire (educador) dizia: ‘Quer ver uma pessoa ficar bonita? É só comer’”, lembrou o presidente enquanto olhava as fotos antigas de Itônia, mãe de Lulinha, e os filhos, estampadas no caderno especial ‘Lulinha 8 Anos Depois’, que O DIA publicou na última quinta-feira, contando a evolução da qualidade de vida da família ao longo dos dois mandatos de Lula.

As lembranças do passado do presidente pareciam recontar a história da família Silva. Emocionado, Lula disse que foi uma opção corajosa a que Francisco tomou ao tentar a vida na capital carioca. “É uma decisão difícil sair da sua terra natal e entrar dentro do ônibus e falar: ‘Vou embora para o Rio de Janeiro para tentar a vida’. Chegar aqui, neste mundaréu de coisas, sem conhecer ninguém... Uma das coisas que admiro muito da minha mãe é como uma mulher coloca oito filhos dentro de um pau-de-arara para ir para São Paulo tentar a sorte. E acho que isso é uma aventura de quem tem coragem: não ficar esperando a sorte passar. Ela está por aí, em algum lugar. E, se a gente teimar, consegue chegar nela e vencer na vida”.

A mudança do Rio Grande do Norte, feita há nove anos, foi contada por Itônia a pedido de Lula, que queria saber detalhes de como eles fizeram a viagem de ônibus. “Vieram quantos no seu colo?”, perguntou ele, indicando que já sabia que a mãe tinha dinheiro apenas para uma única passagem. “Três: Fernando, Juvenal e Jaíne” — o mais velho, Felipe, ficou com os avós e só veio para o Rio, de avião, este ano. “Quantas horas de viagem?”, emendou o presidente. “Trinta e seis”, respondeu a mãe de Lulinha. Francisco, então, provocou: “Pouca coisa. O senhor passou 15 dias para chegar aqui, amigo. Ela chegou em 36 horas”. Lula olhou para o pai dos meninos e devolveu: “Mas eu vim sentado no banco. Não vieram três no colo”.

A franqueza não surpreendeu, muito menos criou saia-justa. Lula arrancou risadas em muitos momentos da conversa, que durou quase uma hora. Um deles foi quando soube o time de Lulinha. “Flamenguista, ‘presidente’? Quando você ficar bom de bola vai para o Corinthians. Nada de Flamengo, São Paulo, Fluminense... E ainda dá para você jogar perto do Ronaldão. Ele, com aquele corpão todo... Imagina você magrinho assim...”

Antes de deixar o salão, Lula abraçou o menino do Camarista Méier e desejou sorte: “Acho que Deus foi muito generoso comigo. Não era normal acontecer comigo o que está acontecendo. Nós provamos que é possível fazer muita coisa. E esse menino pode fazer muita coisa. O importante é que ele seja um homem de bem. Uma pessoa que respeita o pai e a mãe, goste dos seus irmãos e estude para depois trabalhar e ganhar a vida dignamente. Acho que é isso que está reservado para ele”. Na despedida, avisou: “O seu pai, a sua mãe e, agora, o Lulão vão ficar de olho em você. Então, estude e seja um bom aluno”.

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