Temas relacionados ao dia-a-dia de bilhões de pessoas nas cidades e no campo – da violência às questões de gênero, da religião à realidade virtual - serão debatidos na próxima semana em Curitiba por sociólogos de todo o país e do exterior. Eles participam do XV Congresso Brasileiro de Sociologia, que será realizado de 26 a 29 de julho na Reitoria da Universidade Federal do Paraná. Além dos espaços nos prédios da instituição, foi montada uma grande tenda no pátio da Reitoria para receber parte das atividades. Com o tema “Mudanças, Permanências e Desafios Sociológicos”, o Congresso aprovou mais de mil trabalhos que foram organizados em sete conferências, 31 mesas-redondas, 32 grupos de trabalho, quatro fóruns e sete sessões especiais. De caráter internacional, o Congresso traz, além de especialistas brasileiros renomados, convidados dos Estados Unidos, México, China, Suécia, África do Sul e Grã-Bretanha. O evento terá ainda uma série de atividades paralelas como lançamentos de livros, exibição de vídeos e shows.
Esta é a primeira vez que o encontro, promovido pela Sociedade Brasileira de Sociologia, é sediado em Curitiba. Realizado inicialmente em 1954, em São Paulo, o Congresso foi suspenso por vários anos nas décadas seguintes em virtude da ditadura militar e do fechamento da entidade organizadora, a Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS). Com a reabertura da SBS, o III Congresso foi realizado em 1987, em Brasília, e, desde então, é promovido bienalmente. Em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo, os dois principais nomes da organização do evento em Curitiba, os professores doutores José Miguel Rasia (presidente do Comitê Organizador) e Ana Luisa Sallas (secretária geral da SBS), falam da importância e das novidades da décima quinta edição do Congresso da SBS.
O Congresso, embora nacional, recebe convidados de outras partes do mundo. O que significa este intercâmbio com outras realidades para além das fronteiras do país?
Ana Luisa Sallas – Sempre houve a presença de intelectuais, de pesquisadores de fora, mas isso tem se ampliado com o próprio crescimento do Congresso. A própria complexidade da sociedade faz com que nós, pesquisadores, sejamos estimulados a procurar marcos de pesquisa comparativa em relação à América Latina, à Europa e à África, por exemplo, e pensar outras questões a partir dessa pesquisa comparativa.
O Congresso tem como tema “Mudanças, Permanências e Desafios Sociológicos”. Quais as principais linhas temáticas que surgem dessa problematização?
José Miguel Rasia – A partir do tema geral, o Congresso abriga temáticas das mais variadas, desde aquelas nascidas em áreas clássicas da Sociologia - como o estudo do rural, do urbano, o trabalho, a estratificação social e a desigualdade - até temas absolutamente contemporâneos.
Ana Luisa Sallas – Como, por exemplo, as Sociologias da Arte, da Saúde, da Imagem e da Fotografia, assim como perspectivas que nascem de novas abordagens de temáticas contemporâneas ligadas ao gênero e à sexualidade. Há uma abordagem transversal em relação ao tema associado às perspectivas teóricas que os autores desenvolvem. Dentro da Sociologia da Juventude – ou seja, em uma única temática dentre as muitas que serão trabalhadas - os participantes vão discutir, em vários outros grupos de trabalho aspectos como os do trabalho, sexualidade, saúde, educação e meio ambiente. E, como o próprio tema geral do Congresso sugere, há um constante repensar da disciplina, de sua teoria, dos instrumentos de que ela dispõe para interpretar a realidade face às novas questões que a realidade impõe. Isso, ao mesmo tempo em que várias questões colocadas no início da Sociologia são retomadas a partir de outros olhares. O que é algo, aliás, que está muito presente aqui na UFPR, em nosso Centro de Cultura e Imagem e da América Latina. Essa proximidade com temas, questões e debates, no contexto do nosso continente.
A incorporação de novas perspectivas teóricas para a percepção de novos problemas é, de fato, a grande mudança na Sociologia Brasileira recente?
José Miguel Rasia - Se a Sociologia faz a interpretação e a crítica da sociedade, ela também faz a crítica de si mesma. Nesse sentido, está sempre incorporando novas perspectivas, novos modelos teóricos.
Ana Luisa Sallas – George Simmel, um dos fundadores da Sociologia, dizia que a Sociologia é a ciência da modernidade, e que ela é interpelada por essa modernidade - com sua complexidade, multiplicidade de formas e conteúdos. É isso, enfim, que está na origem da disciplina.
José Miguel Rasia - A Sociologia é aquilo que Pierre Bourdieu – outro sociólogo de extrema importância - chama de uma disciplina reflexiva. Ou seja: ao mesmo tempo em que pensa a sociedade, pensa a si própria. Precisa se recriar constantemente e, ao mesmo tempo, não jogar fora aquilo que permanece, aquilo que já está em sua herança, em sua tradição sociológica.
Ana Luisa Sallas – Porque, se você vai de um pólo a outro desconhecendo essas conexões, cai em um "presentismo" constante. As pessoas às vezes necessitam dizer que estão inventando a roda quando, na verdade, ela já foi inventada. Pierre Bourdieu dizia que é preciso traçar a história social do tema que se está pesquisando, ou seja, investigar como ele surgiu como tema de reflexão sociológica. Ao mesmo tempo, é preciso buscar uma conexão com instrumentos de um contexto da sociedade contemporânea, pós-industrial e pós-moderna.
José Miguel Rasia - O que nos preocupa é que a Sociologia nunca perca sua herança e, ao mesmo tempo, não fique apenas reproduzindo essa herança. Porque, daí, ela não sai do lugar.
A que vocês atribuem a escolha da UFPR como instituição que abriga esta edição do evento?
Ana Luisa Sallas – Desde meados da década de oitenta, com a redemocratização do país, tivemos uma busca por uma maior profissionalização das Ciências Sociais e da Sociologia. O que isso significou? Que os professores foram buscar mais qualificação em cursos de mestrado e doutorado no Brasil e no exterior, e que houve todo um processo de aperfeiçoamento e produção em torno da Sociologia no ensino médio. Isso culmina, inclusive, na mobilização nos últimos anos pela introdução da Sociologia no ensino médio e no vestibular E aí, vale lembrar que, de 23 a 25 de julho, também acontece em Curitiba o II Encontro Nacional de Sociologia no Ensino Básico (Eneseb), na Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Pois bem: todo esse processo determinou a criação do Programa de Pós-Graduação de Sociologia da UFPR, nos anos 90, que atualmente tem conceito 5 no CNPq - um conceito de excelência. São conquistas que explicam o reconhecimento da instituição no campo da Sociologia, do avanço que a nossa universidade e, claro, que os professores do programa, todos doutores, desenvolveram ao longo das últimas três décadas.
José Miguel Rasia - Qualquer universidade que sedia um evento como o XV Congresso da SBS afirma seu nome não só no cenário nacional, mas principalmente no internacional, na medida em que participam professores, pesquisadores de universidades do mundo inteiro.
Ana Luisa Sallas – E essa é uma troca extremamente importante, porque é possível descobrir questões e perspectivas com as quais a gente ainda não havia trabalhado. É isso que faz com que ciência avance, pois surgem novas perspectivas em relação aos temas com que trabalhamos, assim como a retomada de antigos temas, que andavam esquecidos e que vão gerar publicações e trabalhos de conclusão de mestrado, doutorado e mesmo de graduação. Reforçar tudo isso em um encontro como esse, que vai reunir pelo menos duas mil pessoas do mundo inteiro, significa aprofundar essa perspectiva de um intercâmbio extremamente fecundo com os temas mais importantes da sociedade contemporânea.
O Brasil está crescendo em importância no cenário internacional. A Sociologia Brasileira acompanha esse processo? Nossa produção, nessa área, é relevante?
José Miguel Rasia - Há três grandes grupos de pensamento sociológico: as Sociologias Europeia, Americana e Brasileira. Esses são os grandes pólos da produção sociológica na atualidade. O Brasil é, certamente, o país que tem maior reconhecimento mundo afora. Tanto que o país tem participação na diretoria da Sociedade Internacional de Sociologia, o que não é pouco, porque implica no reconhecimento do que é feito no país neste campo.
De que forma trabalhos desenvolvidos por jovens pesquisadores se inserem neste Congresso?
Ana Luisa Sallas – Dentro de um espaço denominado “Sociólogos do Futuro”, criado para incentivar sociólogos ainda em formação. Na edição de 2011, o Congresso reúne 420 trabalhos aprovados desses jovens pesquisadores (dentre mais de mil inscritos) sob a forma de pôsteres que estarão em exposição nos dias do evento. Esses trabalhos serão premiados nas categorias graduandos e mestrandos após serem avaliados por uma comissão.
Serviço:
XV Congresso Brasileiro de Sociologia. De 26 a 29 de julho, na Reitoria da Universidade Federal do Paraná. Programação completa no site www.sbs2011.sbsociologia.com.br.