quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Outsider: quem não se enquadra

A figura do outsider. Do cara que não se enquadra. Do sujeito que não faz questão de pertencer a nenhuma turma. O cara que no colégio sentava na última carteira, não falava com ninguém e ia embora sozinho. Havia algo de muito maneiro em figuras desse naipe.

Numa sociedade onde qualquer babaca quer virar celebridade, a figura do "ninguém" sempre me pareceu o melhor modelo de vida. E aqui não vai nenhuma pretensão estilosa do tipo "é legal ser diferente". Porra nenhuma. O que eu penso é que simplesmente "ninguém precisa ser igual".

Cada pessoa devia andar por aí rezando pela própria Bíblia, ou seja, fazendo suas próprias leis e fazendo uso de seu livre arbítrio. Mas não é o que tem acontecido.

Assisto sem nenhum entusiasmo e com bastante perplexidade aqueles filmes americanos de turmas de universidade com aquelas indefectíveis fraternidades onde o cara passa por uma coleção inimaginável de humilhações apenas com o inacreditável intuito de ser aceito em uma fraternidade de babacas. Não é muito diferente das merdas dos trotes universitários brasileiros. Babaca não respeita geografia.

Fico imaginando o que leva uma pessoa a essa necessidade doentia de ser aceito. E com o tempo me parece que em busca de aceitação as pessoas têm se padronizado de maneira assustadora e alarmante.

Hoje em dia a rapaziada usa piercing, tatuagem (não que eu tenha exatamente nada contra o uso de piercings ou tatuagens, mas é que parece que grande parte da molecada começa a usar apenas numas de copiar outra pessoa e aí é esquisito), o mesmo corte de cabelo, gosta das mesmas músicas e das mesmas roupas e emprega as mesmas expressões ("Galera", "é dez", "é show", "baladinha" e outras que eu não consigo sequer repetir aqui sem ter o meu estômago revirado) e aí ele se sente parte de alguma coisa, é compreendido e aceito e não vira motivo de zombaria entre os demais, justamente por não ser diferente.

Então o que acontece é muito simples. Se o sujeito tá num grupo onde o lance é odiar alguém, seja quem for, pode ser negro, viado, gordo, mulher ou o Mico-Leão Dourado, então o cara vai passar a odiar, ele nem sabe o motivo, é que a turma odeia e ponto. E se a turma pinta o cabelo de azul, então o panaca pinta também. E se a turma acha que é legal praticar artes marciais pra sair dando porrada em desavisados noturnos, então o cara automaticamente se inscreve numa academia e sai de lá o mó Steven Seagal.

E acha legal sair de carro com uma piranha oxigenada (esses caras sempre andam com piranhas descerebradas que são apreciadoras de bravatas intimidatórias) e provocar o primeiro sujeito pacífico que eles cruzarem pela frente. E vai ser providencial se eles pegarem pela frente um carinha com um livro do Kafka no ponto de ônibus. Esses caras nutrem um profundo ódio por qualquer sujeito que consiga articular mais que duas frases inteligíveis. E as suas piranhas são as primeiras a aplaudir o massacre.

Não tô aqui querendo de maneira nenhuma desmerecer o trabalho de alguns professores de artes marciais que sei o quanto são sérios e dignos. Mas é que sem a devida orientação eles estão criando um exército de babacas extremamente perigosos.

E é claro que a mídia e a publicidade incentivam irresponsávelmente esse estilo de vida. Elas querem todo mundo comprando e consumindo as mesmas coisas, coisas essas que eles fabricam em larga escala para atender a demanda desenfreada.

Numa novelinha como Malhação, só pra citar um exemplo bastante óbvio, a impressão que fica é que o roteirista escreveu um monólogo e depois distribuiu as falas entre vários personagens. Não há diferenciação de personalidade. Todos falam as mesmas coisas, do mesmo jeito e usando as mesmas expressões. Em resumo: fique igual e permaneça legal.

Há um processo de idiotização total e irrestrita avançando a passos largos. E essa busca pela padronização e no conseqüente status mediano (estou sendo generoso com esse "mediano") que as pessoas têm alcançado ganhou por esses dias duas novas forças de responsa.

A MTV “onde é que estão os clipes, porra?” estreou dois programas que são verdadeiras aberrações. O primeiro deles é o tal Missão MTV onde a Modelo Fernanda Tavares totalmente destituída de qualquer coisa que possa ser chamada de carisma, apesar de bonitinha (é o mínimo que se pode esperar de uma modelo) é chamada para padronizar qualquer sujeito que não esteja seguindo as regrinhas do que eles chamam de "bom gosto". Então se uma garota não fizer o gênero patricinha afetada, então ela automaticamente está out e a missão da Fernanda é introduzir a "rebelde" ao mundo dos iguais.

E dá-lhe o que eles chamam de "banho de loja". Se o cara usa roupas largas e o cabelo sem uma preocupação fashion e ainda se diz roqueiro, então eles transformam o coitado num metrosexual glitter afetado e por aí vai. Parece que a mulher vai dar um jeito no quarto de um sujeito. Ela diz que tá tudo errado no quarto do cara. Como assim? É o quarto dele, porra. Enfim, é proibido ter estilo. Quem não se enquadra, sai de cena. Em resumo, um programa vergonhoso.

Mas o pior ainda é o outro: O inacreditável e assustador Famous Face. Sacaram qual é a desse? Uma maluca encasqueta que quer ficar parecida com a Jeniffer Lopez ou com a Britney Spears e tal estultice é incentivada. Em resumo, a transformação é filmada e testemunhamos a verdadeira frankesteinização sofrida pela pobre iludida. Ela se submete à operação plástica, lipoaspiração e o caralho. Chega a ser nojento. Eu não entendo qual é a de um programa como esse. Será que a indústria da cirurgia plástica tá precisando de uma forcinha? Eu duvido. Nunca vi se falar tanto em botox, silicone, lipo e outras merdas. Todo mundo tentando evitar o inevitável. Todo mundo querendo retardar o tempo incontrastável. Vivemos cada vez mais em uma gigantesca e apavorante Ilha do Dr. Mureau. Foda-se Dorian Gray. Eu sou bem mais as rugas de Hemingway.


Mário Bortolotto é dramaturgo. Este texto foi publicado em seu blog Atire no Dramaturgo.

Um comentário:

Maria Bonita disse...

Como gostei desse texto, parecia que falava de mim....eu sentava no fundo da sala, falava pouco (as conversas da turma não me interessavam) eu lia, eles não liam, eu via filmes que eles não viam....nunca tive tribo....acho que eu era a barata do Kafka....

Hoje só me conhecem pelo nome, por causa do Blog, mas consigo continuar a ser cinzenta, a cor dos ninguéns e transito tranquilamente entre a Corja. (talvez porque eu não tenha a ambição de dar autógrafos).
Abraço.